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Vigário-geral do Brasil: um negro

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NOEDI MONTEIRO

Havemos de imaginar 50 anos atrás, um bispo católico negro? E há 100 anos? Quatrocentos? Furar o sistema e galgar tamanha expressão na hierarquia episcopal não seria exigir demais para um vocacionado negro?

O cristianismo foi introduzido no poderoso Reino do Congo na África por dominicanos portugueses em 1484, sendo o rei Nzinga a Nkuwu, batizado pelo Cônego João de Souza e seu auxiliar Frei Vicente dos Anjos, em 3 de maio de 1491, com o nome cristão de João I. Seu neto, Príncipe D. Henrique I (1459-1538), no entanto, viria a ser um prelado negro muito interessante, no contexto histórico-religioso.

A façanha de se tornar um cardeal negro na história da Igreja na África, com reflexo para o Brasil, rompendo as teias do preconceito europeu, dos estatutos de sangue e da intolerância, foi realizada por D. Henrique I, filho do rei de Congo Nzinga a Mbemba (1456-1545), titulado D. Afonso I (ou D. Afonso Ribeiro) que reina de 1509 a 1545. Henrique foi estudar em Portugal, no Convento de Santo Elói de Lisboa (ou Mosteiro de São João Evangelista) sob os auspícios de D. Manuel I (1469-1521), o Venturoso (1495 a 1521).

Retornou para casa, consagrado ao sacerdócio pelo Bispo de São Tomé e elevado ao episcopado por cédula consistorial, de 5 de maio de 1518, do papa Leão X (1513-1521) em Roma. Foi bispo de Útica, província africana proconsular e auxiliar da Diocese de Funchal, elevada à categoria de metropolitana e primaz, em 31 de janeiro de 1533. Henrique I governa como bispo a Igreja do Congo (1521-1531), localizada na capital Mbanza Kongo. O papa Leão X, expede em 12 de junho de 1518 o Breve “Exponi nobis” ordenando ao sacerdócio outros negros. Com a Bula “Providum Universalis” Leão X em 28 de abril de 1514 havia confirmado a Dom Manuel, os domínios eclesiásticos do reino (regime de padroado), sobre as terras conquistadas, incluindo o Brasil. A jurisdição da Diocese de Funchal (1514-1551) tendo por 1º Bispo (1514-1526) D. Diogo Pinheiro (1437-1526) e vigário-geral D. Henrique I abrangia o Brasil, o Oriente e a África Portuguesa. Antes de Funchal, o Brasil pertencia ao Vicariato de Tomar (1500-1514). O Brasil por cerca de anos, esteve sob a direção eclesiástica do príncipe congolês D. Henrique I. Sob Funchal, surgiram as primeiras paróquias brasileiras. A primeira leva oficial de escravos (originários da Guiné) só chegou ao Brasil com Martim Afonso de Souza (1490-1564), em São Vicente (SP), em 22 de janeiro de 1532 e não alcançou o episcopado do cardeal africano. Tampouco Henrique I, alcançou a criação da Diocese de Angola e do Congo, em 1596.

Um primo de Henrique I, D. Afonso Preto estudava no Convento de São Domingos de Lisboa, por volta de 1533. Nzinga a Mbemba, pai de Henrique I, incentivava outros parentes à educação religiosa. Anterior a Henrique I, antes mesmo da descoberta do Brasil, há relatos de dois jovens: um da Guiné e o outro do Senegal, de haverem sido educados, em seminários de Portugal. Outros bispos e teólogos africanos saíram desses seminários.

A passagem de Henrique I mostra um pouco da África primitiva, nos albores de sua civilização. A África do tempo dos Reinos, antes da chegada dos colonizadores europeus e da retirada de grande contingente do continente, para a execução do trabalho escravo em todo mundo. Essa África misteriosa começa agora a ser revisitada e reconhecida, com a sua inclusão histórica nos conteúdos dos livros escolares; nos currículos das escolas públicas e privadas, em cursos de formação de professores, em cursos de especialização, mestrado, doutorado, e nas práticas pedagógicas de diversidade cultural, com base nas diretrizes curriculares nacionais e específicas, para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, por força das leis federais 10.639/2003 e 11.645/2008 e da Resolução 1/2004 do Conselho Nacional de Educação. Esta é a África, com as características do pioneirismo, de haver sido, a primeira civilização universal, o berço da humanidade e do conhecimento, com os egípcios, e não a Europa, como aponta a historiografia eurocêntrica, oficial e racista.

Com a criação do bispado de Salvador (BA) em 1551, pelo papa Júlio III, o Brasil é separado do Funchal e assim, D. Pero Fernandes Sardinha (1496-1556) aparece como primeiro bispo (1552-1556) na história eclesiástica brasileira, omitindo-se a figura ímpar, do bispo negro D. Henrique I e suas relações episcopais com o Brasil. D. Agostinho Ribeiro (1560-1621), foi o primeiro bispo nascido no Brasil, natural de Salvador.

Written by Noedi Monteiro

setembro 25, 2009 at 8:10 pm

Publicado em Artigos

Noedi Monteiro Alfabeto Afro Brasil

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